5.7.08

A Assembleia Estatutária e a retórica da democracia, da convergência e do consenso

Chegaram ao fim na UM os trabalhos da Assembleia Estatutária, que conduziram a novos Estatutos. Nas decisões fundamentais, sempre que houve votações formais, impôs-se a lógica da convergência estratégica entre a lista dos professores afectos à Reitoria e a lista da Associação Académica. Mas foi bem significativo na Assembleia o trabalho daqueles professores que na Universidade representam uma visão não tecnocática e não gestionária, uma visão fundada nos valores da liberdade e da cidadania.

No texto que segue, reproduzo os meus comentários, divulgados na rede interna da UM, depois das primeiras votações. Estávamos a um de Abril do ano em curso.

Foi votada na Assembleia Estatutária (AE) a natureza e a constituição do Senado. Por nove votos contra sete, a lista da Reitoria e da Associação Académica impôs um Senado de natureza exclusivamente pedagógica e científica, e também um Senado sem funcionários.

Nos termos estritos da Lei, a Universidade do Minho podia ter dispensado um Senado. Mas não o quis fazer. Compreende-se, o Senado foi parte da sua história de governo, embora nas novas circunstâncias não possa ser outra coisa que um órgão consultivo. A existir um Senado, todavia, deveria ser um órgão de representação de todos os interesses expressivos da Universidade: interesses pedagógicos, científicos, culturais e disciplinares. Porque a autonomia académica se estende a todos estes níveis, ficando diminuída, se amputada de um deles. A operacionalidade do órgão aconselhava, entretanto, além do seu funcionamento em plenário, um funcionamento por comissão especializada. E depois, a insistir-se na ideia de um Senado, deveria este ser um órgão de coesão dos vários sectores da Universidade, com professores, alunos e funcionários.

Mas não será assim. A lista da Reitoria e da Associação Académica impôs uma ideia de Senado que o torna um órgão burocrático, de representação de cúpula, um órgão de inerências, sem professores nem alunos eleitos, para tratar dos interesses científicos e pedagógicos da Universidade. Será um órgão de Professores Catedráticos, Presidentes de Escola, e de alunos burocratas não eleitos, um órgão que injustamente exclui os funcionários.

Nenhum elemento externo da AE votou favoravelmente esta proposta, o que é deveras esclarecedor. Não haviam sido consideradas as propostas da lista B, nem as propostas dos funcionários, expressas no Senado, e também em documento autónomo enviado à Assembleia. E, a meu ver, tiveram razão os elementos externos, é absolutamente imprestável um Senado que não tenha carácter convergente e consensual quanto à sua natureza e constituição.

Espanta, todavia, tamanha soberba. «Somos nós quem trabalha; somos nós quem prepara os textos dos trabalhos da AE; são os nossos textos que são analisados». E mais: «somos nós quem tem a visão clara; aos outros ninguém os entende». E ainda, «o sentido de responsabilidade temo-lo nós; os outros são uns madraços, que se embrulham em fumaça e pirotecnia».

Uns valentões, estes nossos colegas! Mas eu diria que não dói menos ao olhar a indigente estreiteza de vistas que os acompanha. Forçar votações de margem mínima sobre questões estruturais da Universidade é um erro, porque não há meio de assim convencerem a Academia.

E o que é que pode justificar esta vertigem de a todo o custo nos quererem empurrar para um Programa rejeitado em eleições, depois de perdido o combate das ideias? Todos sabemos qual é a regra da democracia, quem decide sobre o melhor argumento é sempre a maioria, quando as eleições são abertas, de voto nominal e universal. O que é que pode justificar então modos tão assanhados, que na sua voragem não atendem sequer a uma vírgula ou a um ponto de interrogação?

Ficou demonstrado, entretanto, o que era já do conhecimento de todos, que o papel da Associação Académica na Universidade do Minho é apenas o de amparar a Reitoria no controle das decisões fundamentais. Houve eleições de docentes para os órgãos superiores da Universidade. E também houve eleições de funcionários para os mesmos órgãos. Houve ainda eleições para a assembleia estatutária. Em todas estas eleições o mesmo resultado: a derrota das ideias e das listas da Reitoria. No entanto, por artes mágicas, sempre a Reitoria pôde sobrepor-se à vontade da Universidade. Da cartola sempre saiu uma coelhinha. E sempre a mesma coelhinha. A Associação Académica.

Falta-me ainda uma vírgula neste trabalho de casa, que é também um exercício de memória. Recapitulo, então. A Reitoria entregou à Associação Académica a eleição dos representantes dos alunos na AE. Na altura, muito boa gente não compreendeu por que razão não havia uma comissão eleitoral única a presidir às eleições, com professores e alunos, sendo o objectivo o mesmo para todos e a situação extraordinária. Claro que hoje não subsistem quaisquer dúvidas. Mas é duvidosa a representatividade de eleições que exprimem apenas 10% a 15% do universo eleitoral, como é o caso das eleições organizadas pela Associação. E não há decoro em eleições cuja comissão eleitoral é designada pelo Presidente da Associação, para decidir em causa própria, sendo ele também candidato numa lista por si constituída. E é mesmo preciso muita lata para a comissão eleitoral da Associação Académica anular a lista que se lhe opôs, com a cumplicidade do Reitor.

Uma nota final. Sem dúvida que é de sucesso e de qualidade a nossa Universidade. Mas não é uma caricatura académica do sucesso e da qualidade que a comunidade dos estudantes seja representada por alunos, que são sobretudo profissionais do controle, e não exemplos de estudo e de investigação, que são foliões das gatas, a quem uma dúzia de anos ainda não bastou para a conclusão de uma licenciatura?

A Universidade do Minho é, sem dúvida, uma grande Universidade. E continuará a sê-lo, assim o esperamos. Mas sê-lo-á apenas se procurar o futuro na convergência efectiva de docentes, alunos e funcionários, e com o respeito pela vontade que maioritariamente nela se for afirmando.