5.7.08

Parir abaixo de zero. Morra a Praxe! Morra! Pim.

Existe um enigma difícil de entender no dia-a-dia das Universidades, muito particularmente no dia-a-dia da Universidade do Minho. Refiro-me à praxe. Olhando o que nos é dado ver nos campi todos os dias, dir-se-á que a Universidade tem mesmo uma vocação de batráquio. Dir-se-á que a Academia do que precisa menos é de um imaginário sadio para respirar à vontade. Poder-se-á dizer também que a praxe na UM não é dissociável do lixo, que é hoje a paisagem obrigatória e uma figura maior do nosso quotidiano. O lixo é ambiental, e tanto constitui o nosso ambiente físico, como o nosso ambiente mental. Tornado coisa natural, o lixo faz hoje parte das evidências do nosso mundo. Deste modo, não parece drama nenhum que o lixo ganhe também a Universidade e o seu imaginário; não parece drama nenhum que a casa da cultura e da ciência e de todas as literacias se atole em lixo. E, no entanto, o lixo é o efeito de uma sociedade sem exigência, anémica e tíbia, que já está por tudo e que a tudo encolhe os ombros. O lixo é um programa para embrutecer à vontade. E o imaginário imbecil e boçal que o entretece serve às mil maravilhas a bestazinha, que habitualmente se encontra bem acachapada em nós, mas que agora tem liberdade para correr em devastação a bom galope.

Escrevi um texto em Maio passado, declinando este tema, que publiquei na imprensa regional e que reproduzi também na rede interna da UM. Ei-lo.

Estamos em Maio, o mês das rosas e o mês de Maria. O mês que também o é da Gata. O ano inteiro a praxe percorre a Universidade em devastação. E são meses e meses de cultura de caserna e de sarjeta. Meses e meses a parir abaixo de zero. Mas estamos em Maio, que é na Universidade um mês verdadeiramente esquizofrénico, um mês de apoteóticas paradas de estudantes, mobilizados e enquadrados por grunhos, que mais parecem celebrar um reinado das trevas, com as suas danças macabras de chacais. Vamos continuar a calar-nos diante do «sacrossanto Cabido», de «bispos, cardeais e papas», que hoje assola o campus universitário?

Houve um tempo em que o país se resumiu a um quartel, uma prisão e um seminário. Vivia-se «habitualmente». Mas apenas na aparência é anacrónica a presente habitualidade do campus universitário. Bem pode, no entanto, o Ministro do Ensino Superior apontá-la a dedo como «prática fascista». Parir abaixo de zero é hoje uma habitualidade que segue impante na Universidade, em cortejo de rebanho humano, de verme a remexer a terra, de manada conduzida pela arreata. Do cantar do galo ao sol-pôr, o campus encena o ano inteiro esta habitualidade de caserna, esta pedagogia boçal, de aprender a dobrar a cerviz. A toda a hora, hordas de sargentos lateiros, fardados à urubu, refastelam-se em seus festins, cobrindo de negrume a Academia, pela reactivação incessante do jogo dos tiranos.

Quem disse que a Universidade é hoje a casa da cultura? E a casa das ideias? E a da ciência? Quem disse que as suas lições são lições de humanidade, liberdade e cidadania? Olhando a caserna e a latrina, que lições são essas onde chafurdam vermes, turbas em vertiginosa descida aos infernos, numa viagem sem fim ao reino da degradação, devorando tudo o que seja sentido crítico, elevação e decência humana?

A resposta vem inteira no Testamento da Gata, um documento único, em que a Associação Académica explica de que espírito são feitas as suas festas. A Academia entretém-se nos seus muitos afazeres. Mas entretém-se mal, porque conivente, à espera que passe depressa esta onda má, que todavia não acaba nunca. Faz muito mal a Academia em se dar a este descuido. O Testamento da Gata é um portentoso monumento erigido à estupidez humana. Perpassa-o uma linguagem cavernosa, de degredo, uma linguagem de sub-mundo, da mais pura cretinice, uma linguagem carroceira e sebenta.

Interrogo-me, todavia, sem atinar com a resolução do enigma. Penso que seria muito interessante saber do Hospital de São Marcos o número de estudantes em coma alcoólico, registados nos serviços de urgência na semana da Gata. E, de igual modo, penso que seria de grande utilidade saber o número de agressões e de desacatos participados à Polícia nessa mesma semana. Mau grado o enigma permanecer inteiro. Por que razão abençoa a Reitoria esta estética fascista? E por que razão os estudantes se deixam comandar por este sub-mundo viscoso, onde, ufana, viceja a podridão? E, sobretudo, como pode a Academia estar por tudo, entretida, calada, pusilânime?